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Próximo alvo: crescimento

As empresas brasileiras, que atravessaram a via-crúcis da recessão, começam a se convencer de que o pior ficou para trás e de que o País está reencontrando o crescimento. Aquelas que souberam defender com unhas e dentes seus negócios, agora estão

No universo canino, toda matilha precisa de um líder. Geralmente, ele é escolhido, entre os seus companheiros, pela força e pelo comportamento calmo e assertivo. A agressividade, se não for bem direcionada, é considerada um sinal de fraqueza. Essas características são uma herança dos parentes mais próximos dos cães domésticos: os lobos. Entre os grandes predadores, o lobo é considerado o mais fraco, ao menos fisicamente. Sua habilidade de atacar em grupo, por meio de elaboradas estratégias para perseguir e encurralar as presas, no entanto, confere aos caninos uma eficiência única no reino animal.

Coordenar o ataque é função do líder da matilha, que deve saber quando correr, cercar e, principalmente, a hora certa de dar o bote fatal. Todo cachorro, seja ele um pitbull ou um poodle, carrega em seu DNA essa carga genética. Mas somente alguns têm o equilíbrio necessário para se tornarem “alfa”. Já no mundo corporativo, momentos de crise são perfeitos para separar aqueles que nasceram para liderar, dos que apenas acompanham o grupo. Hoje, algumas empresas estão demonstrando sua capacidade de estar à frente de tirar o País do pessimismo.

É o caso da francesa Saint-Gobain no Brasil, gigante do setor industrial fundada há mais de 350 anos. A companhia passou os últimos anos assistindo à queda acentuada dos mercados em que atua, notadamente o automotivo e o de construção. Coincidentemente, foram as áreas que mais sentiram a crise econômica nesse período. Seria motivo para certo desespero. Mas, enquanto o Brasil sofria com a recessão, e muitas empresas se ressentiam, a Saint-Gobain investia. Nesse período, Thierry Fournier, presidente da empresa no País, se concentrou na remodelação da operação.

Processos produtivos mudaram, novas tecnologias foram incorporadas, funcionários foram realocados, fábricas foram vendidas, concorrentes foram adquiridas. Na quinta-feira 2, a companhia anunciou a compra da Adespec, de Taboão da Serra (SP), que produz adesivos e selantes. Todo esse trabalho teve um único objetivo: proteger sua fatia de mercado e se preparar para a retomada da economia. “Quando a demanda voltar, seremos capazes de aumentar a produção, sem precisar de grandes contratações”, afirma Fournier.

O momento do bote está próximo. Segundo o executivo, a Saint-Gobain baseia suas estratégias em cenários traçados por sistemas de inteligência que utilizam uma série de informações, desde dados internos sobre vendas e produção, até números e projeções de mercado. “Somos reconhecidos por nossa capacidade de traçar esses cenários”, afirma Fournier. O que esses estudos mostram é que muitos setores chegaram ao fundo do poço. Ou seja, a única direção possível é para cima. “Na construção, a área de reformas não sofreu muito, mas as novas obras caíram bastante. Nossa expectativa é de uma estabilização neste ano”, diz. “A recuperação

começou. A única dúvida é a velocidade da retomada.”DIN1004-retomada2

O exemplo da Saint-Gobain é bastante ilustrativo de que nem a mais prolongada retração do PIB brasileiro desde a Grande Depressão evitou que algumas empresas elaborassem fortes planos estratégicos de médio e longo prazo. Elas sabem que, em tempos difíceis, quem está melhor estruturado e com capacidade de investimentos pode aproveitar a fragilidade dos concorrentes para ganhar participação de mercado. Mas ninguém conta que essa vantagem pode ser desperdiçada rapidamente se, ao fim da crise, a empresa não conseguir acelerar rapidamente a sua produção e atender o aquecimento da demanda. “O trem econômico já voltou aos trilhos. Falta colocá-lo em movimento”, afirma o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (leia entrevista aqui).

Os indicadores são, realmente, mais positivos. Em dezembro, a produção da indústria cresceu 2,3% em comparação com o mês anterior. É um alento para um setor que sofreu queda de 8,3%, em 2015, e de 6,6%, no acumulado de 2016. Também referenda as melhorias nas expectativas no começo deste ano. Em janeiro, foi percebido mais otimismo em índices de confiança da indústria e de serviços, divulgados pela FGV-IBRE, e no índice de expectativa do consumidor, da Confederação Nacional da Indústria (ver quadro “Razões para proteger o ano” abaixo).

No entanto, é importante ressaltar que todos esses indicadores ainda estão bastante abaixo de suas máximas históricas. “O empresário tende a ser otimista, por natureza. Em especial, no Brasil”, diz Pedro Guilherme, economista da FGV-IBRE. O fato é que as projeções para este ano dão conta de uma melhoria generalizada no segundo semestre, mesmo que contemplem incertezas políticas, a necessidade de aprovações de reformas importantes, como a da Previdência, e a torcida para que as medidas protecionistas do presidente americano, Donald Trump, não afetem negativamente o Brasil.

O último boletim Focus, divulgado em 27 de janeiro, pelo Banco Central, indica um crescimento do PIB de 0,5% neste ano e de 2,2%, em 2018. A inflação também deve ficar no centro da meta, em torno do 4,5%, em 2017, permitindo mais queda de juros, fazendo a taxa Selic chegar a 9,5% ao fim do ano. A Tendências Consultoria Integrada prevê queda do PIB ainda no primeiro semestre, mas um crescimento de 1,7% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, e de 2,9% no último trimestre. “A dinâmica é de que a economia ganhe tração mais para o fim do ano”, diz Alessandra Ribeiro, diretora da Tendências. “Não vai ser uma saída rápida da crise, porque não existe uma possibilidade de nenhuma medida que cause uma injeção na veia da economia. Mas as reformas microeconômicas surtirão efeito.”

O maior obstáculo para um crescimento acelerado é o alto nível de desemprego, que historicamente demora um pouco mais para se recuperar e vai afetar por mais tempo o consumo das famílias. Também preocupa o nível de endividamento das empresas. O governo, por isso, tenta incentivar os empresários a investir. “Nossa economia abre 2017 com boas notícias. E não é por obra do acaso”, disse o presidente, Michel Temer, na terça-feira 31. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reforçou. “Nossa expectativa é de que a economia saia da recessão, o que significa uma taxa moderada no primeiro trimestre”, disse.

O setor automotivo, de transporte pesado e de papelão usado em embalagens são os primeiros a darem indícios relevantes de recuperação. Algumas empresas, como a fabricante alemã de caminhões MAN, ligada ao grupo Volkswagen, endossam esses sinais. O seu setor foi um dos mais impactados nos últimos anos. As vendas de veículos pesados caíram 70% entre 2011 e 2016, atingindo 47 mil unidades no ano passado, o menor volume em duas décadas. Seria o suficiente para devastar muitas empresas. A montadora, no entanto, manteve o investimento planejado para o Brasil, de R$ 1 bilhão, entre 2012 e 2017.

E, na contramão do pessimismo, ampliou para R$ 1,5 bilhão o plano de investimentos entre 2017 e 2021, dinheiro que será injetado na modernização de sua fábrica em Resende, no Rio de Janeiro, e no desenvolvimento de novos produtos. Como o tombo foi grande, a recuperação também deve ser forte. “Muitos clientes que precisavam renovar a frota atrasaram as compras e não podem esperar mais. Alguns têm frota com idade média de seis anos, o dobro do ideal, o que traz custos de manutenção altos”, afirma Roberto Cortes, presidente da MAN Latin America. “Precisamos estar preparados para a volta dessa demanda.”

Com a ociosidade provocada pelo desaquecimento do mercado, não deve ser difícil para a empresa expandir a produção. A estratégia de ajustes adotada foi evitar demissões em massa. Em vez disso, cerca de 30% dos seus 3,5 mil funcionários no Brasil foram colocados em suspensão temporária do trabalho ou no Programa de Proteção do Emprego (PPE), trabalhando um dia a menos por semana. “Com uma retomada, podemos imediatamente produzir 20% ou 30% mais”, diz Cortes. Antes da crise, a empresa produzia em três turnos, nos cinco dias úteis da semana.

Agora, é apenas um turno quatro dias por semana. Outra preocupação era com a cadeia de fornecimento. A MAN negociou para que os seus fornecedores acompanhassem as suas medidas de redução do trabalho, no mesmo ritmo, para não quebrarem e estarem em condições de ir para cima quando o momento chegar. “Estamos tomando cuidado com a saúde financeira de nossos empregados, de fornecedores e dos revendedores”, afirma Cortes. Os fornecedores de maquinário estão no ponto da cadeia que mais percebem as mudanças de produção da indústria. A também alemã Trumpf, que fornece máquinas para corte e solda de metais utilizadas em diversas indústrias – da automotiva a de eletroeletrônicos e “araras” de lojas de vestuário –, é um exemplo.

Para não demitir, transferiu temporariamente empregados brasileiros para diversos países, como Hungria, Bulgária, Coreia do Sul e Eslovênia. No momento, percebe uma retomada em algumas atividades. “Algumas cadeias quase quebraram, como a de máquinas de construção”, diz João Carlos Visetti, presidente da empresa no Brasil. “Agora, estamos vendo uma aceleração de compras de máquinas agrícolas para fazendas voltadas à exportação e de projetos de estocagem de grãos, incentivados pela safra recorde brasileira.”

O setor de serviços também se prepara para atacar os clientes pós-crise. As empresas de call center são estratégicas nesse cerco. “Se as condições permanecerem como estão, projetamos R$ 30 milhões de investimentos, neste ano, principalmente em tecnologia”, diz Francesco Renzetti, CEO da italiana Almaviva, que empresa 32 mil pessoas no Brasil. “Mas, se houver a regulação da terceirização, devemos ter uma nova unidade ainda neste ano, e outra no próximo ano, com 3 mil posições de atendimento cada.” O investimento pode chegar a R$ 60 milhões.

A maior fabricante mundial de elevadores e escadas rolantes, a suíça Atlas Schindler, com receita de R$ 29,5 bilhões (9,4 bilhões de francos) adotou uma postura sóbria e cautelosa durante a recessão dos últimos dois anos. Em vez de demitir, cortar investimentos e fechar fábricas, comportamento típico de quem reage no susto, a empresa realocou funcionários e fortaleceu duas divisões que crescem quando as vendas de equipamentos novos caem: o de manutenção e o de restauração.

DIN1004-retomada6Além disso, acaba de definir um investimento de R$ 100 milhões na ampliação e modernização da fábrica em Londrina, no Norte do Paraná. “Durante a crise, a gente preparou a casa para quando o sufoco passasse”, afirma o presidente da companhia nas Américas, Andre Insierra. “Temos de estar sempre prontos para os diferentes ciclos econômicos, seja quando as vendas crescem, sejam quando despencam”. No Brasil, a Atlas Schindler faturou R$ 1,9 bilhão em 2015, o último balanço consolidado. Um feito e tanto em um mercado que desabou. Em 2012, embalado pelos recordes da construção civil, o Brasil instalou 14 mil novos elevadores. A previsão para este ano é de 8,5 mil.

Outras empresas, de setores bastante distintos, estão armando novos investimentos. A concessionária de rodovias CCR aprovou no dia 26 de janeiro uma oferta de ações, justificada pela necessidade de recursos para a expansão e diversificação da sua rede de concessões. A Klabin, em conferência com os analistas, na quinta-feira 2, mostrou confiança sobre o mercado doméstico de papel para embalagens neste ano. Isso ficou claro com o anúncio de que alcançou, em janeiro, a taxa de 93% de utilização do seu Projeto Puma, a nova fábrica de celulose no Paraná, que inaugurou em 2016.

Segundo estudo da auditoria e consultoria Grant Thornton, que avalia a expectativa de 2,6 mil líderes de mercado em 37 economias, o otimismo chegou a 59% no 4º trimestre de 2016. Trata-se de um crescimento de 14 pontos em relação ao trimestre anterior e o maior índice desde o 4º trimestre de 2012. Outro exemplo de coragem para investir foi o da Libbs, que, no fim de novembro de 2016, inaugurou em Embu das Artes, nos arredores de São Paulo, a primeira fábrica do País de medicamentos biossimilares. Trata-se de uma categoria que equivale para os remédios biológicos o que os genéricos são para as fórmulas químicas.

Com investimento planejado de R$ 500 milhões, metade do valor foi destinado à construção da unidade e o restante irá para a condução de estudos clínicos. “A fábrica lançará produtos sofisticados, num dos primeiros movimentos que o Brasil faz no setor que vai diretamente à fronteira da ciência”, diz Alcebíades Athayde Júnior, presidente da farmacêutica. Sairão de sua linha de produção anticorpos monoclonais para tratamentos complexos como o câncer e doenças autoimunes. Eles podem chegar ao mercado em pouco mais de um ano, depois das aprovações necessárias.

“Há cinco anos, se imaginava ser impossível produzir biossimilares desses anticorpos”, afirma Athayde. A demanda está estabelecida, mas depende de acordos com o governo. Afinal, o Ministério da Saúde gasta com remédios biológicos, que podem ser substituídos pelos biossimilares, 43% dos seus recursos, apesar de representarem apenas 5% do volume. Para operar a sua nova fábrica, a Libbs precisará fazer a contratação de 100 pessoas, das quais 40 já aconteceram. “Buscamos pessoas altamente qualificadas e até repatriamos profissionais que não tinham a oportunidade de trabalhar no Brasil antes”, diz Marcia Bueno, diretora de Relações Institucionais da Libbs.

A empresa tem passado bem pela crise e cresceu 15% no ano passado, para R$ 1,6 bilhão e planeja novos investimentos. Para 2017, será construído um centro tecnológico na Zona Oeste de São Paulo, que demandará um investimento de R$ 100 milhões. “Crescemos acima do mercado em 2016 e queremos fazer a mesma coisa, neste ano”, diz Bueno “Atuamos num setor que exige muito investimento. O risco é alto, mas acreditamos no Brasil.” A Libbs tem como vantagem estratégica uma produção bastante verticalizada. No seu parque fabril, produz insumos importantes como hormônios e químicos. Afinal, não conseguir matéria-prima e rapidez dos fornecedores pode ser um gargalo para a retomada.

Os “pitbulls” do setor varejista também têm essa preocupação. As grandes redes temem que os fornecedores não tenham capacidade de reagir no mesmo ritmo da retomada da demanda. Por isso, buscam ajuda de outras matilhas de fornecedores no exterior. “O varejo brasileiro aprendeu, na última década, a trabalhar com importações. Dessa forma, pode responder mais rapidamente a um crescimento do que a indústria local”, afirma Marcos Gouvêa de Souza, fundador da consultoria GS&MD. “Se não fosse isso, poderia haver um risco de desabastecimento de lojas, se ocorrer uma retomada mais forte.”

Algumas empresas bem posicionadas para manter os ganhos de participação de mercado são Magazine Luiza, Raia Drogasil, Renner, Riachuelo e Óticas Carol, adquirida nesta semana pela italiana Luxottica. “A crise tem um aspecto positivo”, diz Gouvêa de Souza. “Depois de uma década de crescimento, as empresas se desorganizaram. As dificuldades as fizeram olhar para o negócio de dentro para fora. O País que vai sair da crise será mais eficiente.” A hora é agora. Sua empresa está preparada para dar o bote?

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